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Entrevistámos o Professor Universitário, Rodrigo de Sá Nogueira Saraiva.

Saiba o que o levou a ser professor e investigador na faculdade de psicologia de Lisboa.

Falámos com Rodrigo de Sá Nogueira Saraiva, Professor Associado da Faculdade de Psicologia de Lisboa.

Unidades Curriculares: Etologia Teórica, História das Ideias em Psicologia, Motivação e Emoção: Bases Etológicas, Psicológicas e Sociais.

Principais interesses de investigação Áreas principais de investigação: Etologia Teórica; Arqueo-Etologia; História das Ideias sobre a Psicologia e o Comportamento;

Áreas de investigação presentes: evolução do Eu a partir dos processos de representação animais; primeiros testemunhos arqueológicos do aparecimento da linguagem; etologia comparada de répteis e mamíferos; evolução da Etologia e o positivismo. 

É Professor Universitário há alguns anos, quais as mudanças no ambiente académico entre o inicio da sua carreira e os dias de hoje que considera serem mais significativas?

Quando comecei havia menos pressão em geral: menos necessidade de publicar, menos aulas. Mas não havia condições para nada: más bibliotecas, não havia computadores nas faculdades, os gabinetes eram maus e com imensa gente. A carreira estava feita para se trabalhar em casa. Por outro lado, era tudo mais lento: saiam menos coisas que era preciso ler e podia-se mais ou menos estar ao corrente de uma área bastante vasta. Isso permitia duas estratégias agora impossíveis: uma delas era trabalhar pouco, e ainda bem que acabou; a outra era que um professor desenvolvesse as suas ideias com poucas pressões para ser conforme aos modelos dominantes. Nesse sentido era possível o desenvolvimento de pensadores originais.

Agora tudo mudou. Há mais produção científica, é quase impossível estar ao corrente de várias áreas, e há uma enorme pressão de conformismo. Em Portugal foi uma mudança abrupta: de repente pediu-se que a investigação fosse mais importante e impuseram-se critérios quase impossíveis de atingir. A função do professor que era pedida pela Universidade alterou-se, mas as próprias pessoas não mudaram. A situação é um tanto paradoxal, mas está-se num período de mudança. Sendo mais genérico, diria que quando comecei, um professor era uma pessoa que deveria ser muito culta; agora que é uma espécie de operário numa linha de montagem de artigos.

Ser Professor Universitário foi sempre o que desejou como carreira profissional?

Sempre não, mas desde que entrei na Universidade percebi que era a única possibilidade para mim. Por outro lado, havia bastantes professores universitários na minha família, de modo que não foi uma coisa em que nunca tivesse pensado. Hesitei entre uma carreira musical e ser académico. Foi uma escolha complicada e deveu um tanto à sorte.

No percurso que o trouxe a esta profissão quais foram os factores determinantes para aqui chegar?

Uma série de acasos, muita reflexão, muita determinação e espírito de sacrifício. No meu tempo não havia bolsas e os meus pais estavam muito mal de finanças. De modo que fui estudar para um país caro não tendo praticamente dinheiro. Além disso, na faculdade, tive sempre o cuidado de ser o melhor aluno possível. Depois falei com um director de Laboratório na Bélgica e fui para lá — percebi que em Portugal, nessa altura, não teria nenhuma possibilidade de conseguir fazer o que queria.

Na Bélgica estudei Zoologia e Etologia além de Psicologia experimental. Como nunca encontrei numa só disciplina as respostas para o que perguntava estudei sempre numa frente ampla.

Há que dizer que a carreira de professor é dura, exigente e selectiva. É preciso gostar de trabalhar sozinho, sem qualquer reforço além do gosto pelo que se faz, durante longos anos, sem a certeza de se estar no bom caminho. No meu tempo isso era mais óbvio, porque os doutoramentos eram muito mais longos e a orientação era nula. Costumo usar uma metáfora: está-se numa ilha e tem de se chegar ao continente. Não se tem a certeza da direcção em que a terra se encontra; escolhe-se uma direcção, sabendo que não se pode voltar a trás. E tem de se conseguir avançar, sem possibilidade de retorno, na direcção escolhida e que sabemos poder ser falsa. Tudo isto para dizer que, pelo menos no meu caso, a escolha exigiu muita coragem e determinação.

Como é o dia a dia de um Professor Universitário?

Depende do tipo de professor que se é. No meu caso é, neste momento, bastante diferente do que já foi. No passado estava quase sempre no laboratório, muitas vezes mais de 10 horas por dia. Agora trabalho mais em casa.

Na época de aulas, dedico um dia por semana a preparar uma aula; se a cadeira for nova, é mais tempo, claro, e geralmente preparo-a antes, nas férias e dedico a cada aula mais tempo do que isso. Fora as aulas leio, estudo e escrevo. Há ainda os congressos, conferências, convites, entrevistas. Há também a direcção de mestrados e doutoramentos: resolver as dúvidas que surgem aos doutorandos pode ser um trabalho fascinante ou absolutamente horrível. Há, ainda, o dia a dia com os alunos, que pode ser recompensador ou frustrante. Mas o mais fundamental numa carreira de professor é ter um projecto: pode ser um livro, um tema que se publica em artigos, a organização de uma conferência ou de uma nova cadeira. Seja o que for tem de tomar, na medida do possível, precedência sobre as outras coisas. Há ainda os professores que gostam dos cargos de organização/gestão. Não sendo o meu caso, não tenho nada a dizer sobre eles além de que fazem um trabalho essencial.

O que é mais fascinante, dar aulas, a relação com os alunos ou a investigação?

O que é mais fascinante de tudo é pensar, tentar resolver um problema, estudar um assunto, compreender relações entre coisas. Para isso o que é necessário é tempo, paz de espírito e um objectivo.

Dar aulas varia imenso consoante a fase na carreira: quando se é jovem sabe-se muito pouco e apenas sobre um certo problema. A vida é determinada por esse problema e tudo o que fazemos se lhe subordina. Pode ser muito complicada em termos emocionais, essa fase, como já disse. Trata-se, naturalmente, da altura em que se faz mais investigação de laboratório (ou pelo menos foi assim no meu caso).

A investigação é tudo. Como se associam alunos às investigações, as relações com eles são mais próximas. À medida que vamos sabendo mais e se nos vão alargando os horizontes (e se for isso que queremos – há professores que permanecem especialistas de um assunto estreito toda a vida) as relações entre as coisas que nos interessam começam a estabelecer-se de modo mais claro, e o mundo torna-se-nos relativamente claro: compreendemo-lo, temos uma representação dele que nos permite como que «lê-lo». É então que nos tornamos bons professores, porque temos uma visão integrada do mundo e das coisas que estudámos. Nessa fase, as aulas, mais precisamente, a elaboração de uma cadeira é uma coisa muito interessante, porque implica estruturar o pensamento. A aula, as aulas, e a relação com os alunos é sempre importante.

O que tento fazer (agora, não necessariamente no começo da minha carreira) é apresentar um pensamento integrado sobre assuntos que sei que interessam às pessoas que me ouvem. É muito agradável ver que vêm às aulas pessoas que não são do curso, ou alunos de outros anos. E há uma magia especial em ver uma turma debruçada nas cadeiras, a olhar fixamente e a ouvir, em total silêncio, o que dizemos. Talvez possa contar aqui um caso que me ocorreu. Dei uma cadeira nova, optativa. Um aluno inscreve-se e diz-me: «Professor, escolhi esta cadeira porque não concordo consigo e quero refutá-lo». Teve 20 valores. Magnífico, não é? Claro que por um caso como este há dezenas de alunos que não se interessam nada e que apenas querem o canudo. Essa é a parte frustrante de dar aulas e da relação com os alunos.

Em alguns aspectos da sua vida consegue esquecer-se que é Professor?

A pergunta é interessante. Claro que sim, há vários momentos – por exemplo, quando estou concentrado seja no que for não penso em nada além daquilo em que estou concentrado. Mas percebo a pergunta: ser professor é bastante central na minha vida e na minha definição de mim próprio. O que é curioso é que, mesmo nos momentos em que queremos ser considerados como qualquer outra pessoa e não como professores, os outros no-lo recordam constantemente: se, numa conversa normal dizemos uma coisa meio a brincar haverá sempre quem nos leve a sério. Tive de aprender a ser mais cuidadoso, fazer mais de «senhor professor»…

O estatuto do Professor universitário já não é o que foi, mas ainda é elevado. É uma responsabilidade, nesse aspecto. O que me parece ser diferente em relação a outras pessoas que conheço, mas parece-me que não é exactamente devido a ser professor (se fosse apenas investigador não seria diferente), é que, seja onde estiver, veja o que vir, tento compreender, equacionar, analisar, classificar aquilo que vejo. É uma deformação profissional? Creio que sim. Sendo mais concreto, qualquer viagem se transforma em visita de estudo: compro todos os livros que encontro sobre o sítio visitado, leio-os (história, flora, seja o que for) e só depois de ter compreendido o que visitei gosto da viagem que fiz. De modo que nesse aspecto não posso «esquecer-me».

Na sua opinião, quais as competências fundamentais para se ser “um bom Professor Universitário”?

A primeira é gostar de estudar e aprender. A maior parte das nossas vidas é levada nisso. Estudar e aprender implica que nos descentremos de nós próprios e tentemos concentrar-nos totalmente num problema, sem tomar qualquer partido emocional (não é possível, sem estudar, tomar uma posição sobre um assunto, ou melhor, qualquer posição é provisória). É preciso uma espécie de distância entre nós e o que estudamos para nos permitir ser objectivos. Ou seja, a paixão tem de ser o próprio processo de conhecimento, a solução de um problema, não a opinião face a esse problema. Uma opinião só se pode ter quando se estudou realmente um assunto, os vários lados, os vários argumentos pró e contra.

Não conheço ninguém que saiba imenso de um tema tomar partido radical por uma «opinião». Há os fanáticos ideológicos, mas isso não são pensadores a sério, são a versão intelectual do benfiquista/sportinguista/portista. (Claro que temos sempre preferência emocional por uma hipótese sobre as outras; mas ao estudar as alternativas temos de manter o espírito aberto e, ainda que nos custe, rejeitar o que gostaríamos que fosse a verdade mais plausível).

A segunda coisa é saber relacionar dados e conceitos e conseguir abstrair conceitos de nível mais geral do manancial de dados que se encontra. Um bom professor simplifica um problema não por simplismo mas por distinguir o essencial do acessório. Consegue, por assim dizer, ter a estrutura pura de um problema, em termos de uma série de conceitos e de relações entre esses conceitos. É essa estrutura que o professor deve conseguir transmitir, enchendo-a a seguir dos dados concretos, por vezes de exemplos, da «carne» que dá «materialidade» concreta a uma representação abstracta.

Finalmente, um bom professor deve conseguir interessar os alunos. Isto consegue-se fazer de imensas maneiras: por carisma, por competência, por atenção que se dá individualmente aos alunos, pela convicção que se tem. Há bons professores de tipos muito diferentes. Um professor tem, de uma forma geral, um grande impacto na vida dos alunos.

Considera que o seu papel como professor se resume às áreas que leciona?

Não, nunca considerei isso. Conheço a influência que um professor pode ter – tive alguns professores que me marcaram imenso. Mas colocou-se-me um problema: além daquilo que defendo e que penso estar correcto por razões científicas, ou pelo menos racionalmente justificáveis, há imensas coisas que os alunos levam de mim e de que eu não tenho a certeza. Por exemplo, a ética, a maneira de interagir. Como decidir se essa influência é a correcta? Por isso esforcei-me para apresentar de mim, nas aulas, um modelo passível de ser influente mas que não corresponde necessariamente ao que sinto. Esse modelo evoluiu muito com o tempo, de resto. Nesse aspecto, ser professor é ser também actor, e isso não é a parte mais agradável da profissão. Além disso, há muitos casos de alunos que nos pedem, explicitamente, a opinião sobre assuntos fora das aulas – opiniões sobre temas correntes mas também problemas da vida privada. Essas situações são difíceis de gerir.

É muito fácil dizer que depois da aula somos pessoas iguais e não professores e alunos, mas facto é que continuamos a ser influentes e temos sempre de pensar bem no que dizemos. A pior situação é quando somos mal interpretados: «mas o Professor disse que» e sabemos que não dissemos o que o aluno está a dizer. Nisso não podemos fazer nada: se temos medo de ser mal-interpretados apenas nos podemos calar, e é isso que um professor não pode fazer. Há quem defenda que se deve apenas transmitir aos alunos conteúdos perfeitamente objectivos, nunca hipóteses que não foram testadas. Não concordo nada com isso. Para mim o ensino é um espaço de liberdade em que se deve explorar possibilidades. No fundo, há duas funções ao ser-se professor: ensinar coisas (dados, métodos, teorias) e ensinar a pensar. Esta segunda é muito mais difícil do que a primeira. Muito gostava que houvesse uma espécie de tabela dos erros de pensamento (na verdade existem algumas, mas não são muito boas). Por vezes desenvolvem-se relações de amizade muito sincera com antigos alunos, e esse aspecto é muito agradável. Fiz algumas amizades fortes dessa maneira.

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